OS TEXTOS DAS PIRÂMIDES
Assegurar para o faraó ou para a rainha uma vida feliz no além-túmulo, era o objetivo pretendido pelos textos das pirâmides. Os egípcios acreditavam que a palavra escrita tinha um poderio mágico capaz de fazer com que a sua simples presença fosse suficiente para tornar realidade o pensamento que ela expressava. Acreditavam também que a palavra falada possuía o mesmo poderio, desde que proferida por um indivíduo devidamente qualificado. Nesse caso, entretanto, ficava-se na dependência da boa vontade ou da diligência de outras pessoas.
Um dos textos, que em geral vinha escrito na parede norte da câmara mortuária, reproduz as palavras que os sacerdotes recitavam diariamente quando depositavam oferendas no altar localizado diante da falsa-porta. Colocando o ritual sob a forma escrita e mantendo alimentos estocados nos armazéns, o rei acreditava não correr o risco de passar sede e fome após a morte, ainda que os sacerdotes fossem negligentes em seus deveres cotidianos.
Muitos dos textos descrevem a viagem do faraó com destino ao mundo situado no céu além do horizonte oriental e suas atividades ao chegar lá. Embora o rei pudesse contar com alguma ajuda dos deuses nessa jornada, o fato de estar armado com o mágico poder das palavras lhe assegurava sair-se vitorioso dos vários obstáculos. Além disso, com a ajuda dos textos assegurava a sua associação com o deus-Sol em sua viagem diária através do céu. Coleções de hinos em louvor aos deuses e de preces em favor do rei morto também fazem parte da coletânea de textos.
Embora o conjunto de textos das pirâmides mais antigo encontrado pelos arqueólogos esteja datado do final da V dinastia (c. de 2356 a.C.), acredita-se que sua origem seja muito mais velha. Prova disso está no fato deles conterem alusões a costumes funerários já não mais praticados nos tempos do faraó Wenis e de seus sucessores. Por exemplo, trecho de uma das inscrições diz: Afaste a areia da sua face, o que pode apenas referir-se às práticas funerárias da era pré-dinástica, quando o rei era enterrado em uma sepultura cavada na areia. Outro trecho que relembra costumes ainda mais primitivos descreve o rei falecido como um caçador que captura e devora os deuses para se apropriar das qualidades divinas e incorporá-las a si próprio.
Por outro lado, muitos dos textos referem-se expressamente às pirâmides e, portanto, não podem ter sido escritos antes da III dinastia. Eis um exemplo: Eles [os deuses] é que farão com que esse trabalho dure e que essa pirâmide permaneça. Parece certo, em virtude de constantes referências ao culto solar, que a compilação de tais textos foi executada pelos sacerdotes de Heliópolis, provavelmente durante a V dinastia. Ao compilar, os sacerdotes devem ter reunido os antigos encantamentos funerários e religiosos com outros mais recentes para atender às necessidades da época. A ilustração acima mostra um detalhe dos textos gravados na pirâmide de Wenis.
Embora os textos das pirâmides se destinassem a ajudar o rei morto — adverte I.E.S.Edwards —, a presença deles em sua tumba introduzia um novo complicador de uma espécie muito séria. Sendo escritos em hieróglifos, eles incluem muitas imagens de criaturas vivas. Tais imagens não apenas possuem o valor de um sinal hieroglífico particular, mas também, através do poder da magia, tornam-se a real corporificação da criatura que elas representam. O leão, por exemplo, era simultaneamente tanto um fonograma com o valor de ru quanto o animal vivo em si mesmo, dotado de todos os seus atributos. Imagens de seres humanos, que formam alguns dos sinais hieroglíficos mais comuns, da mesma forma preenchem uma dupla função. Para superar os perigos ao rei morto que poderiam resultar da presença de uma multidão de criaturas potencialmente hostis e destrutivas em sua vizinhança próxima, os sacerdotes e escultores egípcios recorreram a uma série de diferentes artifícios. Algumas vezes os sinais perigosos eram omitidos ou substituídos por sinais que representavam objetos inanimados que possuiam o mesmo valor hieroglífico. Seres humanos eram privados de suas pernas e corpos, de forma que se constituiam de cabeças e braços apenas. Animais podiam ser tornados inofensivos pelo simples expediente de terem seus corpos mutilados e esculpidos em duas metades separadas. Serpentes eram representadas intactas, mas o escorpião era desprovido de sua cauda. Uma criatura que, como única exceção, jamais tem permissão de aparecer nas paredes da câmara funerária é o peixe. Essa omissão não é devida a nenhum temor de que o peixe pudesse molestar o proprietário da tumba, mas era o resultado de uma crença segundo a qual o peixe, embora inócuo para as pessoas vivas, podia profanar um corpo morto.
No decorrer do Império Médio (c. de 2040 a 1640 a.C.), os textos das pirâmides ainda permaneceram, mas numa forma modificada. Os egípcios deixaram de escrevê-los nas paredes das câmaras e corredores das tumbas e passaram a esculpi-los na parte interna de sarcófagos retangulares de madeira empregados naquela época. Seu uso generalizou-se por toda a nobreza e os textos deixaram de ser exclusividade da realeza. Tais inscrições ficaram conhecidas modernamente como os textos dos sarcófagos. Durante o Império Novo (c. de 1550 a 1070 a.C.), os textos, após sofrerem outras modificações, passaram a ser escritos em papiro e eram chamados de Capítulos do Sair à Luz e nos tempos modernos ficaram conhecidos como O Livro dos Mortos.