AS PIRÂMIDES DE DEGRAUS
(PARTE 1)
A Pirâmide de Djoser
Muito mais do que uma simples pirâmide, o túmulo do faraó Djoser formava um complexo funerário. O material básico para sua construção foram pequenos blocos de pedra calcária, imitando tijolos de adobe. A pedra de melhor qualidade, o excelente calcário branco proveniente das pedreiras de Tura, foi usado no revestimento, fazendo com que o monumento resplandecesse ao sol. Embora em túmulos de épocas anteriores já tivesse sido usada a pedra como elemento arquitetônico subsidiário, nenhuma construção havia anteriormente sido erigida totalmente em pedra. Nunca antes havia sido demonstrada uma tão grande habilidade e um tão completo domínio sobre o uso daquele material. A pirâmide de degraus do faraó Djoser é, certamente, a mais antiga estrutura de pedra talhada erguida pelo homem em todo o mundo.
Todo o conjunto de vários pátios e construções ligados à pirâmide ocupava uma área de 545 por 277 metros, ou seja, 150965 m² e estava cercado por um grande muro de pedra. Essa muralha maciça, com mais de nove metros de altura perfazia um perímetro de mais de 1600 metros. Em sua parte externa, a cada quatro metros, era dotada de bastiões retangulares por toda a sua volta, todos de tamanho uniforme, com exceção de 14 que eram mais largos. Em cada um desses bastiões mais largos, espaçados irregularmente ao longo da muralha, foi esculpida uma imitação de uma porta de folha dupla fechada, dando ao bastião a aparência de um portão em forma de torre. Na realidade havia uma única entrada para todo o complexo, situada junto ao canto sul da parede leste. Ali, duas torres franqueavam uma estreita passagem que conduzia a um corredor de entrada ladeado por colunas. No interior de tais torres foi esculpida uma imitação de uma porta de folha dupla aberta.
A pirâmide em si tem seis degraus e atinge a altura de cerca de 60 metros, equivalente a de um prédio de 20 andares. Sua base é retangular com 125 metros na direção leste/oeste e 110 metros na direção norte/sul, ocupando uma área de 13750 m². Foi detectado pelos escavadores que o monumento sofreu alterações no seu planejamento durante a construção e algumas delas são claramente visíveis. Ficou evidente que o núcleo do monumento é uma estrutura de pedra em forma de caixa quadrada, com 63 metros de lado e oito de altura (1). Em seguida essa base foi ampliada com mais quatro metros de cada lado. Depois houve um acréscimo de cerca de oito metros e 53 centímetros, mas apenas na face leste da base (na ilustração, à esquerda). Finalmente, os construtores ampliaram cada um dos lados em mais três metros, aproximadamente, e transformaram a base no primeiro estágio de uma pirâmide de quatro degraus (2). Nessa etapa a pirâmide atingiu a altura de 43 metros. Numa última fase o monumento foi ampliado nas direções norte e oeste e a altura aumentada com o acréscimo de mais dois degraus, atingindo os 60 metros (3).
Por baixo da pirâmide há uma câmara mortuária e um conjunto de passagens e pequenas câmaras usadas para armazenar o equipamento funerário e para o sepultamento dos membros da família real. De tais galerias subterrâneas foram desenterrados, por exemplo, milhares de belíssimos pratos, travessas e vasos de alabastro, xisto, cristal de quartzo e de diversas outras pedras. No interior da maioria de tais vasilhames não foi encontrada comida ou qualquer outra substância. Ao que parece, bastava a presença do recipiente e a recitação de uma fórmula mágica pelos sacerdotes para que se assegurasse ao rei um suprimento constante daquilo que eventualmente deveria estar contido nos vasos. A câmara mortuária está centralizada no fundo de um poço (4) de sete metros de lado e que atinge a profundidade de 28 metros. A câmara em si (5), um compartimento de aproximadamente dois metros e 97 centímetros por um metro e 67 centímetros, foi construída inteiramente com o granito rosa de Assuã. A altura da câmara é de um metro e 67 centímetros e em seu teto foi feita uma abertura para permitir a descida do corpo do faraó durante o funeral. Após a colocação do corpo em seu lugar, tal abertura foi obstruída com um tampão de granito de quase dois metros de comprimento e pesando cerca de três toneladas e todo o restante do poço foi entulhado com pedras. No interior da câmara foi encontrado um cadáver, mas não há prova de que o corpo tenha pertencido ao faraó Djoser.
No lado leste da pirâmide foram cavados no solo onze poços (6) até a profundidade de cerca de 32 metros. Do fundo de cada poço sai um corredor que passa por baixo da estrutura da pirâmide. No fim de um desses corredores os arqueólogos encontraram dois ataúdes de alabastro, um dos quais continha a múmia de um menino. Era forrado com seis camadas de madeira, cada uma das quais com espessura de menos de um quarto de polegada. Tais camadas estavam unidas por meio de pequenas cavilhas de madeira e alguns vestígios sugerem que originalmente eram revestidas de ouro. Em alguns dos demais corredores foram achados pedestais de pedra calcária destinados a ataúdes similares. Torna-se óbvio que os poços e corredores eram túmulos, muito provavelmente destinados a membros da família real.
O templo mortuário, destinado à prática do culto funerário do rei, era uma grande construção retangular erigida junto à face norte do degrau inferior da pirâmide e nele se penetrava através de um umbral aberto na sua parede leste. Essa entrada não tinha porta, mas na parede de pedra, ao lado direito do umbral, foi esculpida a imitação de uma porta aberta, na medida exata da abertura. Passada a entrada um longo corredor levava a dois pátios ao ar livre, de um dos quais uma escada descia em direção aos subterrâneos da pirâmide. Em cada pátio havia três passagens que abriam para uma larga galeria. Outros dois cômodos a oeste dos pátios, cada um com um tanque de pedra no piso, e um santuário completavam as dependências do templo.
O serdab, situado fora do templo mas perto de sua entrada, era construído todo em pedra calcária. Seu interior abrigava uma estátua, de um metro e 40 centímetros de altura, substituta para o corpo do rei na recepção das oferendas. Esculpida também em pedra calcária, representa o faraó Djoser sentado em uma cadeira. O rei está vestido com um longo manto que deixa a descoberto apenas suas mãos, pés e a parte superior dos ombros.
Na cabeça há uma longa cabeleira coberta por um tipo de lenço de linho. A pele do faraó estava pintada em amarelo e o cabelo e a barba em preto, mas a maior parte da pintura desapareceu. O rosto foi mutilado porque dele foram arrancados os olhos incrustados. Totalmente fechado, o serdab tinha apenas dois orifícios em sua parede frontal, diante da face da estátua, que permitiam não só que a fumaça do incenso atingisse o faraó, mas também que ele olhasse para fora.
No lado sul da muralha que envolve todo o complexo há uma grande mastaba sob a qual está duplicado um conjunto de câmaras que reproduzem aquelas diretamente conectadas com a câmara mortuária sob a pirâmide. As paredes de alguns dos aposentos sob a mastaba e a pirâmide estão decorados com baixos-relevos mostrando o faraó Djoser realizando várias cerimônias religiosas. O recinto da pirâmide em degraus continha também um certo número de edificações destinadas à celebração das cerimônias de jubileu do rei morto na sua vida de além-túmulo. Outras construções existentes no local são de propósito desconhecido. Todo o complexo visava fornecer ao rei morto um ambiente no qual ele pudesse cumprir sua função de monarca após a morte e é provável que contivesse em seu planejamento muitos dos aspectos característicos do palácio real em Mênfis.
Nenhuma outra pirâmide conhecida foi rodeada por tantas e tão imponentes construções destinadas a suprir as necessidades do rei morto no além-túmulo. Para os egípcios contemporâneos da sua construção, ela deve ter representado um enorme símbolo do poder eterno do seu divino rei. A concepção arquitetônica do complexo da pirâmide de degraus permaneceu como um marco e a importância do monumento foi reconhecida pelos próprios antigos egípcios. Isso é demonstrado por inscrições bem posteriores rabiscadas por visitantes em alguns dos monumentos do complexo funerário, mais de mil anos após a sua construção, e pelo indubitável interesse arqueológico que o monumento despertou no decorrer da XXVI dinastia (664 a 525 a.C.).
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