Rumo ao Norte
Navegando em direção ao Norte, a sensação de voltar ao passado se acentua. Ao longo das margens, a população mantém hábitos semelhantes aos da Antiguidade, recolhendo a água do rio em grandes ânforas, sobrevivendo graças ao cultivo de trigo, cevada, milho e linho, usando utensílios de fabricação própria. Claro que houve modificações desde então, mas a mais visível delas é a mudança de hábitos provocada pelo advento da religião muçulmana, hoje a predominante no país. Se os homens, atualmente, podem ter até quatro casamentos simultâneos, e se vestem com a tradicional túnica de algodão dos muçulmanos, chamada de galabea, mantêm, no entanto, a mesma reverência ao rio que marcou seus antepassados. "O meu amor ao Nilo só é comparável ao que sinto por Alá", diz Mohamed Abd, respeitável "capitão" de uma pequena feluca de oito lugares, destinada a passeios turísticos pelo rio. "Minha família ainda cultiva a terra da mesma maneira que era cultivada antigamente", garante ele, que preferiu trabalhar com a maior lucratividade oferecida pelo turismo.
Rumo ao norte, o leito do rio alarga-se, assim como aumenta a área cultivada na região ribeirinha. Logo se avista Kom Ombo, um vilarejo erguido ao redor de uma das mais conservadas construções do tempo dos faraós. Trata-se de um templo dedicado simetricamente a dois deuses, Sobeck, o crocodilo, e Hórus, o falcão. O mesmo Hórus é homenageado logo à frente, em outro vilarejo, Edfu. O templo lá é maior - na verdade é um dos mais imponentes de todo o Egito, com 137 metros de largura e 36 metros de altura. Duas grandes estátuas de granito negro montam guarda em ambos os lados da entrada.
Da mesma forma que Edfu e Kom Ombo, outros vilarejos formaram-se ao redor de templos, movidos economicamente pelo turismo. Assim são, por exemplo, Esna, Medinet Habu, Guarnah e Dendera. Em cada um deles, a história se repete; a magnitude das construções se mescla com a avidez com que o povo local aborda os turistas, ainda que preguem, sempre sorridentes, a dedicação exclusiva à sua religião muçulmana, dentro de seus turbantes e túnicas.
Em Luxor não é diferente - apenas mais intenso. A antiga capital do Alto Egito, situada a 220 quilômetros de Assuã rio abaixo, abriga o Templo de Luxor, o Templo de Karnak e, do outro lado do Nilo, o Vale dos Reis, o Vale das Rainhas e o Templo dos Nobres - entre outros tesouros históricos. O Templo de Karnak, que ocupa cinco acres de área, é um gigantesco complexo de colunas, esfinges e salões dedicados ao rei Amun, que se liga, por uma estrada ainda não recuperada, ao Templo de Luxor, uma construção igualmente gigantesca, sobretudo pelas estátuas de Ramsés II. Do outro lado do Nilo, os inúmeros templos e tumbas, muitas das quais intactas, provocam a mesma intensa admiração no visitante - como é o caso do Templo de Hatshepsut, onde ocorreu o recente atentado terrorista de fundamentalistas islâmicos que pretendiam, justamente, abalar economicamente um governo cada vez mais dependente dos dólares do turismo.
Luxor é o ponto geográfico do roteiro do Nilo em que se encontra a maior concentração de construções da civilização egípcia "mais moderna" - só comparável aos monumentos da região do Cairo, sobretudo as pirâmides de Gizé, as maiores, e de Saqqara, as primeiras. Enquanto no Cairo (onde se encontrava a primeira capital, Mênfis) as construções refletem uma civilização extremamente religiosa, voltada quase com exclusividade para seus ritos de fé - uma característica do Império Antigo - , em Luxor (ou Tebas), verificam-se marcos de um Estado estruturado com noções complexas de poder, burocracia, dominação da elite e expansionismo.
Entre uma cidade e outra, o Nilo percorre 670 solitários quilômetros sem registrar a presença de sinais importantes de civilização, moderna ou antiga. É o que se chama de Médio Nilo. Nessa região, os habitantes ainda vivem de forma precária, dedicados a uma agricultura de subsistência e voltados totalmente ao culto a Alá.
A vida dos ribeirinhos - e, praticamente, só há ribeirinhos no Egito - nesta região do médio Nilo é desprovida de tecnologia. Os habitantes aram a terra com animais e vivem graças ao rio, de onde retiram água por meio de canais rústicos, ou com um estranho artefato de ânforas (uma roda, puxada por animais, na qual estão fixadas ânforas que vão recolhendo a água) e, muitas vezes, puxadas manualmente. Esta não é uma região que se visite. O turismo é firmemente desaconselhado pelo próprio governo devido ao perigo de atentados fundamentalistas. Antes do que ocorreu em Luxor, essa era a região preferida pelos terroristas.