s produtos básicos da agricultura do Antigo Egito eram os cereais (trigo duro e cevada principalmente) e linho. Figos, uvas, tâmaras, maças, rábanos, ervilhas e favas também estavam entre as produções do solo egípcio. O papiro era coletado nas terras pantanosas e utilizado não só para a alimentação, preparada com os seus rizomas, mas também como matéria-prima em produtos de uso variado. Cordas eram fabricadas a partir dos seus troncos e suas fibras permitiam confeccionar tecidos, desde os mais finos, para o vestuário elegante, até lonas grosseiras. Por sua vez, vimes, juncos e folhas de palmeiras tamareiras eram utilizados no fabrico de cestos e esteiras. O trabalho agrícola ocupava pouco mais de seis meses do ano e, assim, se dispunha de mão-de-obra abundante para trabalhos artesanais da aldeia, para conservação dos canais de irrigação e para as obras hoje ditas faraônicas: templos, palácios, monumentos e sepulcros.

ram três as estações do ano típicas do país: a inundação, a saída e a colheita. A primeira estendia-se de julho a outubro e durante ela as águas elevavam-se, normalmente, até sete ou oito metros de altura; a segunda era marcada pelo reaparecimento das terras cultiváveis antes escondidas pelas águas, era a época da semeadura e ia de novembro a fevereiro; finalmente a colheita realizava-se de março a junho.

 

aso a terra já estivesse seca, eram usados a charrua ou o alvião para recobrir os grãos. Ambos eram instrumentos simples e leves feitos em madeira. O alvião era formado por um cabo, uma placa e uma travessa. É um A maiúsculo com uma perna mais comprida do que a outra. Servia ainda para quebrar torrões de terra, o que também podia ser feito com uma espécie de malho.

autor Ciro Flamarion Cardoso nos explica que como entre a semeadura e a colheita se passavam de quatro a cinco meses, durante os quais os campos dispensavam maiores cuidados e a umidade proveniente da última inundação era suficiente, os camponeses podiam se dedicar a cultivos mais intensivos, que exigiam irrigação permanente, até o Reino Novo transportando água em vasilhas dependuradas numa vara, e depois do século XIV utilizando o shaduf. Assim era praticada a horticultura, sendo produzidos alho, cebola, pepino, alface e outras verduras e legumes; também eram plantadas árvores frutíferas, e videiras. Várias plantas (como o sésamo) eram cultivadas para obtenção de azeite; o azeite de oliva era importado. Sabemos ainda que os óleos vegetais eram utilizados não apenas na cozinha, mas também na iluminação, nos cosméticos e na terapêutica e provinham principalmente da bolota, do coco e do rícino.

nimigos naturais dos camponeses, os donos das terras ou seus representantes chegavam como gafanhotos com uma nuvem de escribas, de mensuradores, empregados e guardas, logo que as espigas amareleciam. Mediam inicialmente os campos e a seguir a quantidade de grão. Assim, fazia-se uma idéia exata do que o camponês deveria entregar ou aos agentes do tesouro ou aos administradores de um deus como Amon que possuía as melhores terras do país.
 


autor Pierre Montet descreve a cena: - O proprietário, ou o seu representante, saía cedo de casa. Ele próprio conduzia o seu carro, agarrando firmemente as rédeas. Alguns servos seguiam-no a pé, transportando assentos, esteiras, sacos e pequenas caixas, tudo aquilo de que os mensuradores teriam necessidade para a sua inspeção e ainda outras coisas. Os carros param junto de um maciço de árvores. Alguns homens vindos não se sabe donde ocupam-se deles, desatrelam os cavalos, atam-nos a uma árvore, trazem-lhes água e pasto. Das caixas retiram pães, várias iguarias, que repartem pelas cadeiras, pelos cestos e até um serviço de “toilette”. O cocheiro instala-se à sombra e adormece, sabendo bem que pode contar com algumas horas de tranquilidade. O senhor encontra-se já no meio dos agrimensores. Veste o seu fato de luxo, peruca, camisa de mangas curtas atada na cintura sobre o saio, gorjal, bengala e cetro. Os seus pés estão calçados por sandálias, e os artelhos protegidos das ervas que pisa por polainas de laços. Os ajudantes usam apenas um saio. Alguns têm sandálias. Outros andam descalços. Alguns agrimensores vestem também por cima do saio uma camisa de mangas curtas e um saiote pregueado. Repartem os instrumentos da sua profissão: rolos de papiro, paletas, sacos e pastas.



semeador trazia da aldeia, nas costas, um cesto com duas asas. Chegando ao campo, enchia-o de grãos e atava-o ao pescoço com uma corda cumprida o bastante para que a sua mão pudesse tirar facilmente os grãos que espalharia pelo solo. Às vezes esse semear era realizado antes que as águas voltassem totalmente ao leito do rio, a fim de que se aproveitasse a terra amolecida pela inundação, o que facilitava o trabalho. Nesses casos, fazia-se com que o gado menor, geralmente carneiros, passasse sobre o campo para enterrar as sementes. O pastor agarrava num pouco de pasto e dava-o ao carneiro da frente que o seguia docilmente e arrastava consigo o resto do rebanho. Cabras e porcos também chegaram a ser usados nessa tarefa.



ara colher o trigo e a cevada era usada uma foice de madeira com dentes de sílex, com a qual se cortava os caules não rente ao chão e sim um pouco abaixo das espigas. Os ceifeiros iam colocando-os no solo e atrás deles vinham mulheres que recolhiam as espigas em cestos e as acumulavam numa das extremidades do campo. Algumas dessas mulheres estavam munidas de uma escudela, nas quais recolhiam os grãos caídos por terra. Nas pinturas tumulares os proprietários das terras aparecem a ceifar e a reunir as espigas, mas trata-se apenas de um simbolismo, pois em geral os senhores apenas observavam os trabalhos, sentados em tamboretes, à sombra das árvores e com provisões ao alcance das mãos.

 

m algumas regiões do país, eram os burros que transportavam os feixes para a aldeia. As espigas
eram acondicionadas em alforges de corda, que depois de completamente lotados ainda recebiam uma quantidade suplementar de espigas amarradas também com cordas. Em outras regiões, os próprios homens efetuavam o transporte. Usavam para isso um saco feito em malha, preso a uma armação de madeira e provido com duas asas de suspensão. Uma vez abarrotado o recipiente, enfiava-se nas asas uma vara que era fixada com um nó. Então, sempre cantando, dois homens carregavam o peso nas costas.

 

evados até a eira, as espigas eram espalhadas no solo batido cuidadosamente. O gado (bois, burros e, em último recurso, carneiros) era posto a pisotear os cereais para que a palha se separasse do grão. Montet nos conta que quando a camada de cereais era suficientemente espessa, os bois e os homens, uns armados de chicote outros de forquilhas, invadiam a eira. Enquanto os bois espezinhavam o local, os homens não cessavam de mexer as espigas com as forquilhas. O calor e o pó tornavam penoso este trabalho. Contudo, o boieiro excita os seus animais:

Trabalhai para vós, trabalhai, trabalhai para vós.
A palha é o vosso alimento. Os grãos são para os vossos donos. Não pareis!
O ar está tão fresco!


e vez em quando, um boi baixa a sua enorme cabeça e enche a boca com o que encontra, palha ou grão, mas ninguém o enxota.

 

etirados os animais da eira, os homens usavam a forquilha para separar, ainda que sumariamente,
a palha dos grãos. As impurezas, mais leves do que os grãos, subiam à superfície. Usando uma vassoura eliminava-se a maior parte da sujeira. Finalmente, eram empregados utensílios que se assemelhavam um pouco a pás. Segurando o instrumento pelo cabo, os trabalhadores enchíam-no de grãos, punham-se nas pontas dos pés e, levantando os braços o mais que pudessem, deixavam cair o cereal. O vento arrebatava as cascas.

ra chegada então a hora da segunda invasão de escribas e medidores. Os camponeses que houvessem escondido uma parte de sua colheita, ou aqueles que não tivessem conseguido produzir o que era previsto pela medição anterior que se fizera do campo, eram derrubados e espancados.


inalmente, o cereal era armazenado em celeiros de forma cônica, construído dentro de um pátio cercado por altas muralhas. Com formato de pães de açúcar, os silos eram cuidadosamente rebocados internamente e caiados de branco por fora. Por meio de uma escada os homens alcançavam uma janela na parte superior do celeiro, pela qual despejavam os grãos. Para retirar o cereal quando necessário, havia uma pequena porta situada à altura do solo.


linho, por sua vez, era arrancado quando estava em flor. Agarrava-se um punhado com as duas mãos, sacudia-se para fazer cair a terra e cortavam-se os caules em baixo. Os punhados eram amontoados no chão alternadamente, de maneira a formarem feixes com flores nas duas extremidades, e amarrados com uma corda feita ali mesmo com alguns caules que se sacrificavam. Os feixes eram transportados nas costas pelos homens, na cabeça pelas crianças e, às vezes, por burros até o local onde alguns trabalhadores batiam os punhados de linho contra uma tábua inclinada. Parte da colheita era reservada para gerar novas sementes e para o uso em medicamentos.


ra necessário que se fisesse oferenda aos deuses. Os proprietários das terras destinavam à deusa das colheitas, Renenutet, gavelas de trigo, aves de capoeira, pepinos, melancias, pães, e frutos variados. Nas várias localidades os deuses locais recebiam as primícias das colheitas da região. O faraó, no primeiro mês da estação da colheita, oferecia uma gavela de trigo a Min, deus da fecundidade, numa festa a qual comparecia uma grande multidão.

s trabalhos de ceifa e debulha duravam várias semanas. Para as propriedades estatais e as pertencentes aos templos — áreas consideravelmente amplas — a população local nem sempre era suficiente e se fazia necessário recrutar equipes móveis que iniciavam os afazeres no sul e iam subindo em direção ao norte, encontrando sempre pela frente outros campos prontos para serem ceifados.

erminada toda essa azáfama, as uvas em altas parreiras já haviam amadurecido. Fazia-se então a vindima, espremia-se os cachos, ânforas enormes eram enchidas e seladas. Obtinha-se vinho das uvas ou a partir das tâmaras e da seiva das palmeiras. Por sua vez os moleiros moiam e esmagavam o trigo durante o ano todo, entregando a farinha ao cervejeiro e ao padeiro. Cerveja era preparada diariamente em vastos armazéns.


o inundar o vale, as águas do Nilo vinham carregadas de humo. O limo formado, enriquecido pelo humo vegetal, constituia um solo tão fértil que tornava possível duas ou três colheitas por ano. Diante de tal dádiva da natureza, e desconhecendo as nascentes do rio, era natural que os egípcios criassem um deus do Nilo, Hapi, e cantassem hinos em seu louvor:

alve, Hapi, aparece na Terra e vem dar vida ao Egito; tu que encobres tua vinda nas trevas... Mar que invade os campos... para dar vida a todos que têm sede. Quando se levanta, toda a Terra clama de alegria, de júbilo exulta todo ventre, vibram os dorsos de satisfação, os dentes trituram.

uando te imploram a água do ano, vê-se o forte lado a lado com o fraco. Cada homem é chamado com os seus instrumentos. Ninguém quer ficar atrás do vizinho. Ninguém se adorna. Os filhos dos grandes não se cobrem de luxo, não se ouvem cânticos durante a noite.

camponês, no Egito – nos conta Maurice Crouzet – não tinha vida fácil, exceto nas poucas semanas em que a água, recobrindo toda a região, transformava cada aldeia numa ilhota. Mal o rio baixava, a irrigação, responsável pela nutrição da terra, devia ser constantemente fiscalizada, ajudada, conduzida e mesmo realizada pela mão do homem. Para discipliná-la, bem como para drenar os charcos, fazia-se necessária a construção de diques, a abertura de canais e a reparação contínua de uns e outros. Durante o período de vegetação, era preciso manter o abastecimento de água dos canalículos, pelo menos nos jardins, água esta que era recolhida nos braços mortos, nos poços ou no rio: manejando a vara do balanceiro ou, diretamente, um pesado recipiente, braços humanos levavam a cabo, com tal objetivo, um duríssimo trabalho. Vinha depois a colheita, exigindo numerosa mão-de-obra, repartida por turmas de trabalhadores.

ara alguns egípcios que frequentavam os bancos escolares, era necessário um regresso aos trabalhos do campo. Contra tal pensamento levanta-se um escriba. Segundo ele, todos os ofícios manuais eram desprezíveis, mas o ofício de agricultor mais do que qualquer outro. As pessoas que exerciam essa profissão estragavam-se, assim como acontecia aos utensílios. Agredido e explorado pelos seus senhores e pelos agentes do fisco, roubado pelos vizinhos, pelos soldados-ladrões, traído pelos elementos, arruinado pelos gafanhotos, pelos roedores e por todos os inimigos do homem, tal é o agricultor. A sua mulher é presa, os seus filhos são arrebatados como penhores. Em resumo: o agricultor é o retrato perfeito de um infeliz.